quinta-feira, 19 de julho de 2012

Frank Zappa e a estética da feiura


– Como pode essa gente de aparência tão bizarra produzir uma música tão bonita?!
Essa foi a impressão levada por RUTH UNDERWOOD ao assistir uma apresentação da banda THE MOTHERS OF INVENTION. Califórnia, década de 1960; a banda faz suas primeiras apresentações em clubes menores de Los Angeles e começa a ganhar notoriedade. À frente, o guitarrista e compositor FRANK ZAPPA experimenta com estilos variados e introduz elementos estranhos ao universo do rock. Embora para Underwood, que viria a tocar com os Mothers mais tarde, sua música fosse bonita, muitos a consideravam tão bizarra quanto a aparência da banda. De fato, para Zappa não se tratava de não dar atenção à aparência, mas de ser coerente com sua música. Por essa época, as emissoras de rádio ainda exerciam grande influência sobre a produção musical, de modo que o aspecto visual era secundário. No entanto, essa tendência mudaria com o poder cada vez maior da televisão, principalmente com o advento da MTV e de premiações como o Grammy.
Assim como o ator e diretor Woody Allen nunca deu muita importância ao Oscar, Zappa tampouco nutria alguma consideração pelo Grammy. Não interromperia uma turnê para comparecer à cerimônia de premiação, mesmo que estivesse concorrendo a algo. Mas sua posição em relação ao Grammy envolvia outras questões. Para ele, toda a estrutura em torno dos programas de entrega de prêmios no setor de entretenimento, nos Estados Unidos, nunca passou de simulação. O objetivo seria simplesmente juntar o número máximo de celebridades num mesmo tempo e lugar para fins de exploração comercial pelas redes de televisão. Quanto mais celebridades por metro quadrado, maior a arrecadação com publicidade.
Quanto à MTV, Zappa acreditava que a emissora de TV estabeleceu-se como a única via de difusão capaz de determinar o que é ou não comerciável. Em vez de milhares de emissoras de rádio, tem-se agora apenas um canal de televisão, o que obviamente restringe as possibilidades de criação de novos sucessos. Isso teria colocado as gravadoras nas mãos da MTV. Para o compositor isso era mais que merecido para essas empresas, que por muito tempo reinaram absolutas no mercado fonográfico. A partir daí pode-se perceber então como esse fato tem contribuído para a feição da música pop nas últimas décadas. Embora o próprio Zappa tenha produzido alguns clipes para a MTV, sua música foi se tornando cada vez mais distante do perfil veiculado por ela. Some-se a isso o fato de que a produção e a distribuição de música têm se tornado mais acessíveis com o advento das novas tecnologias. Percebe-se a tendência a se produzir canções mais curtas e com uma estrutura preestabelecida, deixando pouco espaço para a improvisação e o imprevisto. O ritmo adquire grau de importância crescente. Faz-se música para dançar. Estamos distantes do universo plurivocal do compositor norte-americano, com suas quebras de ritmo, improvisações, longos solos de guitarra e arranjos para uma infinidade de instrumentos. E, como já apontou o poeta e tradutor Paulo Henriques Britto, as apresentações de Zappa, longe de incentivar reações mecânicas, eram performances provocadoras, que violavam as expectativas da plateia.
Com o advento da MTV, o aspecto visual também passa para o primeiro plano, às vezes mais que a própria música. Estabelece-se um certo padrão de beleza dos intérpretes, e os figurinos são minuciosamente calculados. Paralelamente surge uma nova tendência: a gravação de DVDs ao vivo. Neles, a atenção ao visual chega ao extremo. As canções são costumeiramente acompanhadas de coreografias e, além dos músicos, faz parte da apresentação um número variável de dançarinos. Os artistas principais são submetidos a uma produção estética que inclui a troca constante de figurinos numa mesma apresentação. Não é à toa que o surgimento de PRINCE, MADONNA e MICHAEL JACKSON praticamente coincide com o da MTV.
Para Zappa a indústria fonográfica atualmente é mais aparência que música. Conforme ele afirmou em entrevista, “nenhuma tendência importante de rock se firmou sem que fosse capaz de propor uma nova maneira de se vestir”. Nesse caso, mesmo bandas teoricamente subversivas – que desafiaram o status quo inclusive por meio de um visual pouco atraente, como os SEX PISTOLS – teriam sido “fabricadas”. Para ele, os novos artistas vão comprar roupa, cuidar do cabelo, tirar fotos, para somente depois assinar o contrato. O fato de eles saberem fazer música ou não é indiferente, pois o importante é ter boa aparência, boa no sentido de que se adéque ao mercado. O ápice dessa tendência é o caso do grupo MILLI VANILLI, que teve seu Grammy revogado quando se descobriu que eles não cantavam, mas apenas dublavam em suas gravações. O músico critica ainda uma tendência semelhante na música ao vivo, pois muitos músicos tocam peças gravadas e apenas dançam e dublam em suas apresentações. Em 1984, ele grava a faixa “Be in my video”, aparentemente uma paródia a “Let’s dance”, de DAVID BOWIE. Ela é composta de uma série de clichês que povoam as produções videográficas da MTV. Mesmo assim, Zappa também sempre deu muita importância ao aspecto visual em suas apresentações, mas, como na música, de uma maneira mais anárquica, não tão mecanicamente. Era mais uma questão de ser coerente com seu próprio estilo do que seguir ou estabelecer tendências mercadológicas.
No início da carreira, ele afirmava que se considerava um freak e não um hippie. O hippie, para ele, em geral não se importava muito com a aparência; o freak, ao contrário, sim, e muito. Ele então não impunha um figurino aos músicos que o acompanhavam, mas sugeria modos de se vestir que combinassem com a performance da banda, pois, para ele, “a aparência de um grupo está ligada à música da mesma maneira como a capa de um álbum está ligada ao disco. Ela dá uma pista do que tem dentro”. Para o compositor, a questão da boa aparência esteve presente desde o surgimento do rock’n’roll, estabelecendo uma espécie de identidade entre o artista, geralmente atraente, e seu público consumidor. Mas os Mothers não se consideravam particularmente bonitos. Sua ideia foi então assumir sua “feiura” para identificar-se com aquela parte do público que não se achava tão atraente. Como, para Zappa, essa parcela era a maioria, eles tinham boas chances de fazer sucesso. Obviamente ele estava sendo irônico, mas suas ideias sobre o aspecto visual em tempos de MTV e Grammy dizem muito a respeito da música a que estamos expostos hoje em dia.


Fonte: Whiplash

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